O LOBO EM PELE DE CORDEIRO OU O CORDEIRO EM PELE DE LOBO!

....Imaginem meados da década de 70 do século passado. Imaginem uma menina vinda do exilio do Chile, clandestina. Imaginem que essa menina saiu do Chile , um pouco antes da queda do governo da Unidad Popular e seu pai ficou até os últimos minutos com Allende, e a pedido do Presidente foi com 14 companheiros para Mendonça, Argentina, buscar asilo quando tudo já estava perdido!
Ela chega no Rio de Janeiro e no dia 07 de dezembro de 1973 é avisada por companheiros argentinos que seu pai foi sequestrado na Argentina e entregue a repressão brasileira, por um comando conjunto de militares inaugurando a Operação Condor no Continente. Essa menina não sabia que existia tal Operação então só sabe que seu pai foi trazido para o Brasil e faz de tudo para legalizar sua prisão, única forma, que vê de salvar sua vida.
Ela bate em todas as portas, até que que chega a Igreja, a Dom Ivo Lorcheiter, onde é muito bem recebida, mas tudo resulta em vão.
Então a conselho de familiares, já que seu pai descende de uma família de muitos militares das FAB brasileiras, Tendo sido ele mesmo um oficial opositor do Golpe militar de 1964 ela fica sabendo da amizade de um Cardeal com o General Frota, sabendo inclusive que ele frequenta a granja do General em Petropólis (RJ) em churrascos de Fim-de-semana.
A menina então pensa, ele pode salvar meu pai! Ela vai a um Palácio bonito e se anuncia para o Cardeal. O Cardeal diz que não a receberá. Mas, a impetuosidade da adolecência e o grande desespero a fazem entrar no gabinete do Cardeal, ela fica impressionada com a suntosidade e a beleza do lugar! Ele certamente vai salvar seu pai!
O Cardeal irritado não quer ouvi-la, ela insiste, implora, chora. Então o Cardeal se dirige a um telefone preto, e diz "saia senão chamarei os militares para leva-la"
O Cardeal com sua roupa preta, o telefone preto, ficarão marcados para sempre na cabeça da menina. O mundo parou naquele instante! Quando o Cardeal começou a discar ela correu, foi embora, já tinha experiência com a repressão. Quando sai do palácio do Cardeal, olha para os muros e solta um grito mudo: Onde está meu pai? os muros são de pedra, não respondem, de pedra como o olhar do Cardeal quando a ameçou de chamar a repressão!
Voltou para Dom Ivo chorando, que a consolou e a apresentou a uma moça que recem tinha saído do DOI-CODI da Barão de Mesquita, essa moça lhe disse: Seu pai está morto, assisti sua morte!
Somado a esse depoimento, muitos outros vieram. A menina continuou lutando para ter os restos mortais do seu pai, luta até hoje.
Um dia, 34 anos depois a menina que não é mais uma menina, abre um jornal, onde aquele Homem de preto é considerado um herói! Ela pensa que bom salvou muitas vidas com sua amizade com a repressão!
Mas, se pergunta, qual terá sido o critério que o Cardeal utilizou para definir quem iria viver e quem iria morrer! Em qual churrasco isso foi definido.
Ela se pergunta: quem cala diante de tantos crimes insanos, pode se reabilitar?
Para a Imprensa burguesa sim! Ainda mais em um País carente de Heróis.
Mas ainda se pergunta: Será que ele, o Cardeal não tem vergonha de receber tais homenagens, tendo calado diante de tanta dor e sofrimento?
A menina era eu!